quarta-feira, 5 de maio de 2010

REFLEXÕES DE MAIO


Os agora apeados argumentos e objectivos da grande Europa social e de solidariedade, que dominaram as três últimas décadas do pensamento e da organização política, económica e financeira do país, estão na base das dúvidas, dos conflitos, das hesitações e do aviso de pré-falência que paira sobre as nossas cabeças.

O país foi catequisado para a esperança de que o trabalho seria valorizado, as doutrinas europeias foram o missal das políticas internas, avançaram os enquadramentos de lei e os números astronómicos do empurrão financeiro, produziram o desejado encantamento.

A discussão permanente das ideias que fazem avançar as sociedades, entraram no limbo intencional e, como que se instalou o pensamento único, onde todos se imaginaram nos degraus superiores de vida ostentados pelos países distantes e invejados do norte da Europa.

Nesta onda feiticeira, os políticos vangloriaram-se de anos de paz social, porque havia trabalho e salários e mais opções de mordomias para eles próprios.

Os sindicatos e as associações patronais viveram anos felizes, apenas com aquela chatice de combinarem o salário mínimo, um produto que insistiu em não se europeizar, fez a alegria de milhares de exploradores e ainda hoje continua um absurdo que, dizem, o país não pode suportar.

Com uma classe média em ascensão, hipnotizada pelas liberdades consumistas planeadas ao milímetro, as forças sociais não tinham elos de ligação, as contradições sociais estavam adormecidas, os fios culturais e educativos, tal como o dinheiro, estavam democratizados, o que facilitava a missão de conduzir os destinos do país, precisando a receita apenas de acertos.

Prosperava o descanso do poder político, distribuindo benesses com base nos fundos da UE, validando a falsificação da formação profissional que chegou também aos sindicatos, aos subsídios e comparticipações para investimentos privados e para os gastos supérfluos em excessos cometidos nas obras públicas. Este derrame de dinheiros sem esforço, contribuiu decisivamente para o aumento da base corrupta do país com os efeitos conhecidos.

Este adormecimento colectivo que nos venderam como prosperidade e que se revela agora efémera, foi salteado de quezílias internas de poder, transformando-se num barril de pólvora, cuja crueldade da situação deixa os nossos políticos atónitos na sua confrangedora incapacidade e irresponsabilidade, correndo a abrir o velho almanaque dos curativos, cujas mezinhas são invariavelmente as mesmas: ponham-se os doentes de quarentena, com uma dieta exasperante, controlem-se as febres e vigiem-nos nas convulsões e sofrimento, sem razões e certezas da dureza e tempo de tratamento. Mas eles, julgando-se acima de suspeitas, têm medo de terem o tratamento necessário e merecido.

As lições de Maio, nascidas nas fábricas de Chicago e que se reproduziram pelo mundo, com mais de um século de actualidade e porque todas as razões que lhe deram acção estão de pé, vão ressurgir, provavelmente contra estes dirigentes sindicais, cuja visão política centrou a sua gravidade nas vantagens das cadeiras, enlevados pelo espírito de colaboração oportunista para uma falsa estabilidade.

As propostas dos velhos conciliadores que vivem a celestial intenção de todos usarem asinhas durante todo o tempo, voltam ao activo da urgência e desespero das soluções. O candidato à presidência, Manuel Alegre, juntou-se ao convívio com as suas propostas, como lhe competia, ajuizando que o trabalho tem de salvar o país, na atitude consciente de preservar o futuro do capital.

As lavas de Maio, como estão nas profundezas e controladas na falibilidade, podem voltar a surpreender, obrigando a novos debates, a novas direcções e políticas, perante a falência das actuais.

Maio tem esta capacidade, de separar o trigo do joio e impulsionar as mudanças.


Luis Alexandre

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