quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O vazio da Justiça



A Justiça, no seu papel deificado como uma das fundações do Estado dito democrático, viu agravar-se o sentimento estranho que sempre produziu no cidadão, onde o lado austero e circunspecto nunca venceu a desconfiança.

A Justiça institucional, justifica-se nas injustiças dos relacionamentos sociais, onde as formas de convivência entre os indivíduos criam as matérias julgáveis, mobilizando os círculos pessoais e os universos sociais em que cada parte se integra.

Os actos da Justiça ou da falta dela, têm sempre consequências que, independentemente da notoriedade ou extensão social dos casos, deixam marcas, como os vírus que hibernam, para se manifestarem na sua força.

As sociedades modernas, orientadas no consumo compulsivo e insustentado, geram cada vez mais conflitualidade, que se reparte na confabulação e negócios com os dedos e ambições da política ou, no simples aliciamento à apropriação quando os recursos não o justificam.

As congeminações, cada vez mais requintadas e reservadas ao secretismo de quem tem influência e poder, quando de forma inadvertida saltam para a ribalta e sofrem a humilhação das barras da Justiça, arrastam-se na protecção das patentes, os melhores causídicos são recrutados e os jogos de escrutínio, em obediência à lei e com aproveitamentos dos desleixos e ineficiências, nada tendenciosos, correm fora dos olhos e ouvidos gerais, preparando as ilibações.

Quando a lei se abate sobre a raia miúda, sem protecção e sem condição, os serviços, ditos de justiça, são céleres na acusação, condenação e execução, obedecendo ao poderio e passagem para trás do balcão da força de organização dos acusadores, que têm muitas formas de incorporar os custos.

No inverso, na procura da mesma justiça, as taxas são injustiçadamente caras, representam um esforço acima das possibilidades dos salários e os custos dos serviços de advocacia ultrapassam os sentimentos compreensíveis de justeza e sem garantias. Nos últimos anos, os mecanismos da lei foram refinados no desrespeito das condições de acesso, cavando um fosso sobre o que deveria ser o respeito pela propalada igualdade de oportunidades.

Do ponto de vista do cidadão, que não tem condições de se estribar em quaisquer forças, desenvolveu-se a percepção de que, num Estado burguês, a Justiça está organizada e funciona em proveito de quem tem capacidade de influenciar e poderosos meios financeiros.

Para a construção desta ideia de que a Justiça tem os pratos desequilibrados, não só contribuem as experiências pessoais dos cidadãos, como a interiorização valorativa da condução dos casos mediáticos, que provocam gastos públicos desmedidos, na proporção inversa dos resultados. Pelo caminho, ficam as páginas dos jornais com as análises, os mentidos e desmentidos, numa rapsódia instrumentalizada de falhas, datas, prescrições, desaparecimentos de documentos, desautorizações, afastamentos de juízes e outras manigâncias.

No filme luso sobre a Justiça, com as imagens de muito má qualidade e a fita a partir-se muitas vezes, as assobiadelas são justas e não entra nas nossas cabeças que os problemas estão nas secretárias, edifícios ou prestação dos funcionários. O capitalismo moderno, assente na exploração desenfreada e sem fronteiras, criou um monstro que não tem nada que ver com Justiça e, esta, não escapa à crise geral do sistema.

A Justiça entregou-se às delícias do Estado burguês e dos interesses que o governam e, não funciona por que não quer.


Luis Alexandre

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