quarta-feira, 4 de janeiro de 2012


O presidente da dívida



Com o mais miserável orçamento de Estado da democracia de pacotilha como pano de fundo, o ano de 2011 acaba com o Governo em piedoso crescendo de anúncios de austeridade e o presidente da República obrigado ao jogo de se colocar do lado da pobreza para convencer que temos de aceitar tudo com muita coragem.


Cavaco Silva, a múmia reeleita sobre a construção da dívida pública e da privada (de que se fala menos mas também pilhou a Banca), sabia que o silêncio de quatro anos ganhava em todas as frentes. Aumentava-lhe as hipóteses de reeleição, acumulava os ganhos da dívida para a classe que representa, favorecia o atoleiro do socratismo e abria o espaço para o regresso ao poder dos partidos da sua esfera de interesses.  


Na absoluta incerteza em que vive o país, onde o Governo gere as ordens externas e faz a diferença com acrescentos de bons serviços, o presidente fala em defesa dos interesses globais, no conhecimento da iniquidade da direcção das medidas tomadas que condenam quem produz e iliba quem acumula os rendimentos.


Não precisávamos da notícia vinda de fresco da UE de país mais desigual no ataque à crise, para sabermos da voluntariedade do Governo em sobrecarregar as camadas desfavorecidas da população. No reverso, e à cautela, não vão os portugueses abandonarem os bons costumes, as empresas que patrioticamente não puseram os dividendos a salvo em paraísos, encetam esse caminho.


O presidente, velho companheiro da dívida e das suas consequências, conhecedor profundo dos mecanismos do capitalismo e das suas crises, por todas as razões, sabe bem qual é o seu papel nestes tempos dramáticos. Precisa de usar o seu pedestal e a vassalagem de uma importante faixa de pouco incomodados, para os jogar no papel religioso de anestesia do levantamento do descontentamento popular.


O discurso do presidente deste ano novo, para além do ritual, abandona o paternalismo e o silêncio comprometido do primeiro mandato para a nova postura de concertação estratégica à volta das políticas do Governo. O discurso marca a divisão da sociedade e aclara a duplicidade do uso do cargo para a falsa modéstia de uma preocupação com o emprego e o crescimento.


Este presidente da dívida, sabe muito bem que o dinheiro pedido não lava as feridas das finanças e que na profundidade da recessão, muito menos será usado em quaisquer medidas de relançamento da economia.

Este presidente da dívida, que nunca afrontou o despesismo socratista, também não tem autoridade para impor qualquer rumo ao Governo. Cavaco não passa de um peão, assinará todos os passos do Coelho e a sua utilidade está na legitimação de todas as ordens do Governo, desde a espoliação da população à repressão da sua resistência.  

Cavaco Silva, como uma das partes integrantes da dívida, desde a sua génese à dimensão de monstro, nunca levantou a voz para exigir outras políticas. Nem isso alguma vez esteve nas suas intenções.


O discurso de fim-de-ano, oco como o personagem, despertou nos partidos e centrais sindicais comentários com a mesma insalubridade.


Todos tentam enrolar-nos com discursos, enquanto a população agoniza. E quem fala de reacção, 
organização e luta?


Luis Alexandre  


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